Por Ana Carolina Monteiro

Ainda em choque!

Para uma amante da gastronomia como eu, a trajetória do chef, escritor, apresentador, viajante, rebelde e bonitão, Anthony Bourdain, era mais saborosa que qualquer receita que viesse a degustar. Esse misto de herói e bad boy das panelas também adicionou à sua existência um romance com a interessante Asia Argento. Com base em um histórico destes, duvidei quando li a notícia que Bourdain cometera o suicídio. Como seria possível prever isso?

As estatísticas de suicídio no país de origem do apresentador são alarmantes: o índice subiu 25% em menos de vinte anos e já é a décima principal causa de morte, segundo o Centro para Controle e Prevenção de Doenças (CDC) nos Estados Unidos. A maior parte dos casos registrados (muitos nem chegam a ser, pela diversidade de métodos usados – overdose e acidentes provocados, por exemplo) são de pessoas que não possuem históricos de desordem mental ou depressão. Então, mais uma vez questiono, como podemos prever esses casos?

À medida que a tecnologia avança, nos faz crer que somos como uma mistura de X-Men com Avengers, com poderes infinitos. Para alguns, a previsão baseada em algoritmos seria um deles.

Neste contexto, há uma ramificação na ciência de dados que está crescendo rapidamente, apoiada com  soluções de inteligência artificial (IA) e técnicas de aprendizado de máquina: análise preditiva – que diz respeito a técnicas aplicadas a conjuntos de dados para realizar previsões de eventos futuros e incertos. Será então que podemos prever ou ajudar a prevenir atos futuros e incertos como tirar a própria vida?

O Facebook está testando o uso de inteligência artificial como alternativa ao conhecido formato onde os amigos assinalam pessoas possivelmente em risco. É interessante avaliar o valor dessa informação – uma vez que ela é resultante de um processamento, organização e interpretação dos dados. E também o valor dos dados considerados hoje por esses “amigos”, que nem sempre são próximos, ou mesmo conhecidos, e provavelmente leigos em desordens mentais ou emocionais. Dentro do Facebook, a precisão com a adoção de inteligência artificial parece ser maior até agora. Afinal, o algoritmo tem acesso a mais dados de navegação e de estudos sobre o comportamento dos usuários da plataforma.

Existem alguns fatores clássicos que indicariam a  probabilidade de suicídio, como: problemas emocionais, problemas financeiros, pressão social, depressão, bullying…  Em algum momento, boa parte da humanidade passará por situações que envolvem essas condições, mas, para muitas pessoas não será o suficiente para cogitar tirar a própria vida. Ou seja, são dados que podem compor a seleção de inputs de um modelo preditivo em torno do suicídio, sim, porém é óbvio que não dão conta das particularidades de cada individuo e seu respectivo histórico.

A Vanderbilt University Medical Center criou um algoritmo que avalia com a precisão de 80 a 90% o risco de alguém se matar nos próximos dois anos. E, caso o período seja reduzido em uma semana, a precisão pode chegar a 92%. Nesse estudo foram avaliados diversos dados de pacientes que apresentavam sinais de auto-mutilação ou mesmo tentativa anterior de suicídio. Além disso, também foram observados históricos relacionados a gênero, idade, região onde morava, medicamentos utilizados e diagnósticos já recebidos. Como é possível notar, a precisão e limitação do sistema têm a mesma origem – os dados eram de pessoas que foram hospitalizadas e, como temos visto na mídia, muitas vítimas não passam, necessariamente, por hospitais.

Às vezes se supõe que a tecnologia irá nos prover de uma espécie de oráculo, onde uma entidade irá responder a qualquer dúvida. Mas ainda há muito de humano em fases cruciais da construção dos modelos preditivos. Afinal, quem determina com quais dados alimentar o sistema e como eles serão analisados somos nós.

Será que realmente há uma forma de responder, com base em equações matemáticas e em meio a este mar de dados compartilhados em rede, questões tão complexas e delicadas como, por exemplo, a probabilidade de suicídio?

Mesmo sendo uma entusiasta da análise preditiva (principalmente na sua utilização para negócios), ainda tenho preocupações em torno de algumas da apropriações. Interessa-me aqui enfatizar então a questão da sua matéria prima essencial, os dados: a) a seleção de quais dados serão levados em consideração; b) e a dificuldade de coletar estes dados de forma organizada.

Quando a coleta e seleção de dados não é boa o suficiente, podemos dizer que o algoritmo é programado para falhar. Devemos ter sempre em mente que o fim está contido no começo.

Não havia indícios (dados) suficientes em redes sociais online, e outros espaços perscrutáveis, que o querido Bourdain nos deixaria assim, sem mais. Para nossa imensa tristeza, a ajuda não o alcançou. A alma humana permanece insondável. E, nesse caso, guardava o dado mais valioso.