Fé na tecnologia

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O budismo surgiu há, aproximadamente, dois mil e quinhetos anos, e tem seguidores no mundo todo. O sofrimento atrelado a existência humana e os ensinamentos para a libertação são a sua essência. Uma ideia poderosa. Porém o seu eco está se enfraquecendo no Japão. O país apresenta declínio na sua prática e já registra o fechamento anual de milhares de templos.

O templo Kodaiji, na cidade de Kyoto, erguido há mais de 400 anos, decidiu ir além das preces para manter a sua longa vida: apostou em um novo sacerdote, chamado de Mindar – um robô que aconselha os fiéis, reza e responde a perguntas, representando a divindade da compaixão, Kannon, conhecida por manifestar-se sob diferentes formas. Dessa vez,  se fez presente em alumínio, silicone e inteligência artificial.

Os monges demandaram o novo companheiro à Universidade de Osaka. O objetivo é atrair os jovens para frequentar o templo – observando que é uma geração que se sente mais confortável com intermediações feitas por máquinas. 

Em um momento em que se discute o impacto da adoção da automação no mercado de trabalho, o Mindar, projetado para ajudar pessoas a aliviar o sofrimento, provoca reações opostas à sua voz suave e gestos respeitosos. No entanto, a rejeição não é de maioria japonesa. Fato que faz lembrar a frase de William Gibson: “ O futuro já chegou, mas ainda não está bem distribuído.”. 

A remessa de futuro chega com mais rapidez quando endereçada ao Japão. Se o assunto é robótica, pode-se dizer que o futuro começou a chegar em 1924, quando foi acesa a  paixão dos japoneses pelos robôs, após serem introduzidos ao assunto pela obra teatral R.U.R. (Rossum’s Universal Robots), do tcheco Karel Capek. A partir da década de 1960, os robôs se tornaram frequentes no mundo do entretenimento, quase sempre no papel de amigo das pessoas ou herói. 

A paixão por essas máquinas, cada dia mais eficientes e inteligentes, é antiga, mas tem o seu lado prático: o envelhecimento populacional exige soluções para garantir a produtividade. O Japão tem um plano ambicioso documentado  na Estratégia Nacional de Robôs: tornar-se a grande superpotência dos robôs. 

Adoção rápida de avanços tecnológicos à parte, o fato deum sacerdote-robô não causar grande estranheza entre os japoneses também tem raiz na própria religião. O Budismo não centra o exercício da fé na crença em Deus. O foco é trilhar os caminhos de Buda, seguindo os seus ensinamentos para libertar-se do sofrimento. Adicionalmente, é difundido o respeito a todas as coisas, animadas e inanimadas. 

Mesmo o Mindar exibindo um aspecto visual de máquina, com fios e outras peças aparentes, os fiéis declaram experimentar a sensação de proximidade e de despertar quando buscaram o seu aconselhamento.

O sofrimento humano, em sua essência, permanece o mesmo ao longo da história. Mudam apenas as vestes, à maneira da época. Época esta bem ornada de complexidade e incertezas. Desfila à nossa frente uma sociedade em desalento – na qual a depressão já é pandêmica, não respeitando barreiras de idade, classe social, religião… acometendo inclusive os religiosos. 

Será que Deus está morto, como Nietzsche apontava, referindo-se a tendência do enfraquecimento da religião em nossa vida cotidiana? Ou o que se enfraqueceu foi apenas o canal com o divino? Vale citar que a tecnologia está eliminando os intermediários, proporcionando o acesso mais simples e democrático a serviços de toda natureza. Se o sacerdote-robô for eficiente em aproximar mais pessoas da fé e do divino que vive em nós, então, que seja bem-vindo!

Ana Carolina Monteiro

(artigo originalmente publicado na revista Ley’s Go, edição 49)

 

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