O fim do fim?

O FIM DO FIM?

Momentos antes de morrer diante de seus pesarosos discípulos, o filósofo Sócrates (499 a.C  399 a.C.), dirigiu ao amigo Críton uma instrução inusitada: “- Devemos um galo a Asclépio. Não esqueça de saldar a dívida!”. A estranheza da situação se deve ao fato de Asclépio ser o deus da cura. Por que o moribundo Sócrates sob o efeito da cicuta, a qual foi condenado a beber, acreditava que devia oferendas ao deus da cura? 

Um primeiro palpite se basearia em traço recorrente nos sábios: o senso de humor. Poderia ser também um delírio pré-morte… Mas isso seria a opção menos interessante. Uma resposta possível é permeada por ideias recorrentes em diversas correntes místicas. Partindo da abordagem cabalística, por exemplo, somos destinados à imortalidade e depende de cada um de nós remover a força da morte que instalamos em nosso mundo físico. Dessa forma, não será mais necessário morrer. A morte é apenas uma espécie de cura desesperada para a vida – purificação da dor, sofrimento e escassez -, enquanto a não alcançamos a maturidade existencial. Talvez tenha sido isso que Sócrates vislumbrou e o que o incitou a fazer tal demanda ao amigo. 

É curioso que alguns iniciados na Cabala a consideram uma tecnologia para a vida. Como aficionada por tecnologia, filosofia e espiritualismo, observo encantada uma convergência, e muitos debates acalorados, nesse momento histórico de profundas mudanças. Impressão 3D de tecidos e órgãos humanos, CRISPR/Cas9 – edição de partes específicas do DNA -, substituição de partes orgânicas do corpo por partes cibernéticas, cérebro ligado à internet, possibilidade de mudança de corpo físico. Hoje, o território da Biotecnologia vai além de uma obra de ficção. E às vezes transpõe a ética. Michio Kaku, físico norte-americano, descreve bem as possibilidades da nova realidade: “Poderemos ser como deuses da Mitologia (…). É a Ciência moderna e a Tecnologia, e não mágicas e encantos, que nos darão esse tipo de poder.”.

Um dos grandes nomes que pensa e molda o contexto exponencial no qual vivemos, e viveremos, é Ray Kurzweil, diretor de engenharia do Google, inventor múltiplo e, entre outras descrições possíveis, ícone do Transumanismo.  O movimento transumanista surgiu entre futurólogos e prevê a superação dos limites biológicos como doenças, envelhecimento e, é claro, a morte, com o uso da tecnologia. Kurzweil escreveu recentemente mais um livro, “A Medicina da Imortalidade”, no qual afirma que até o final do século não morremos mais. Até lá, ele usa os recursos possíveis para superar os efeitos naturais dos seus mais de 70 anos bem vividos. 

Enquanto escrevo essas linhas, me vem a mente minha mãe, Lúcia, que costuma dizer: “A velhice é um desaforo!”. Aqui dou a boa notícia – não precisamos levá-lo para casa. Em breve. 

A tecnologia segue a passos largos para validar a ideia mística ancestral de que não é necessário aceitar a degradação física e a morte como destino inevitável do ser humano. Quem viver verá.

Ana Carolina Monteiro 

Artigo originalmente publicado na revista Saúde+, primeira edição BA

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